Inscrições para o 3º Congresso Anual do IBE podem ser feitas aqui

 

Doutor em Estudos Portugueses e Brasileiros, o professor Roberto Vecchi vê a possibilidade de discutir novos paradigmas econômicos e sócio-culturais durante o 3º Congresso Anual do Instituto de Estudos Brasil Europa (IBE), que ocorre entre os dias 9 e 11 de outubro na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis. Com o tema “Inovação, Cultura e Sustentabilidade: Desafios para o Brasil e a Europa”, o evento vai reunir estudiosos renomados do Brasil e da Europa.

 

Roberto Vecchi foi convidado para coordenar a a mesa redonda “A interdisciplinaridade na universidade do futuro” no dia 10 de outubro ao lado de estudiosos como Roberto Mota, que é professor na Universidade Federal de Santa Maria; e Carla Salvaterra, da Universistá di Bologna.

Na entrevista que concedeu ao site do IBE, Roberto Vecchi, que é professor na Università di Bologna, uma das universidades associadas ao IBE, falou sobre os temas do congresso, da inserção da Literatura Brasileira na Europa e do impacto da crise nas pesquisas da área. “Só uma consciência ao mesmo tempo técnica e humanista, que tem na literatura um dos seus mais poderosos arquivos, pode encontrar a combinação, mesmo que não seja a síntese, dos três elementos que oportunamente o congresso propõe para a reflexão”, acredita.  Leia abaixo.

– O 3º Congresso Anual do IBE irá discutir os desafios para o Brasil e Europa no que se refere à Inovação, Cultura e Sustentabilidade. Dentro de sua área de atuação, que é a Literatura, quais são as dificuldades de se fazer pesquisa de literatura brasileira na Europa?

É importante antes de tudo evidenciar uma particularidade: um encontro que tem como objeto o desenvolvimento sustentável, combina um tópico tão denso e hoje tão solenizado (às vezes, só superficialmente) com outros campos como a inovação e a cultura. A tríade poderia parecer ampla, mas tem um fundamento essencial que merece ser valorizado. O adjetivo, hoje tão comum, sustentável, modifica a ideia do desenvolvimento a que se associa. Disso decorre, se quisermos, sua radicalidade. Essencialmente desloca o problema de uma dimensão exclusivamente quantitativa para outra substancialmente qualitativa do crescimento. Aliás, no meio da crise global, a discussão que ocorre sobre o crescimento assume drasticamente a consciência do limite: não é mais possível pensar a um progresso ingênua e exclusivamente só expansivo. Esta inversão de paradigma tem sustentabilidade só se ocupar largamente o horizonte da cultura. Em jogo, estão valores, relações, hábitos, sociabilidades, modelos, que só sua elaboração cultural poder tornar apreensíveis e funcionais. Uma crise tão profunda como a atual, assim como se vive na Europa, é a oportunidade de reformular novos paradigmas, inclusive econômicos mas também sócio-culturaus. Por isso o terceiro ponto da tríade é também essencial: a inovação como categoria que, lembrando as considerações de um grande economista austríaco do começo do século XX, Joseph Schumpeter, possui uma enorme dimensão cultural, surgindo na polissemia do presente como desvio, terceira via ou mais precisamente, êxodo. A inovação não surge do nada mas de um profundo conhecimento, material e simbólico, do existente. Só uma consciência ao mesmo tempo técnica e humanista, que tem na literatura um dos seus mais poderosos arquivos, pode encontrar a combinação, mesmo que não seja a síntese, dos três elementos que oportunamente o congresso propõe para a reflexão.

– Há um interesse grande dos europeus em relação à Literatura Brasileira? Esse interesse, se houver, se estende aos novos autores ou ainda é restrito aos autores mais consagrados?

A literatura brasileira é um dos grande meios disponíveis de conhecimento profundo e não superficial do País. Normalmente os leitores estrangeiros tendem a procurar sempre o País atrás de uma outra literatura. Trata-se de um desvio porque oblitera a enorme dimensão universal e estética do objeto literário. Ao mesmo tempo a literatura no Brasil, desde suas raízes mais profundas, sempre foi um meio de descoberta e interpretação do País, lembrando uma célebre definição de Antonio Candido, para a elite letrada que compõe pelo papel sua imaginação do Brasil. Por isso continua a ser um enorme arquivo em que se depositam imagens, valores, utopias, tragédias, resgates, mundos. Muitos Brasis se formam pelo víeis da literatura. Diria mais. Um país tão complexo como o Brasil que reúne uma multiplicidade de diferenças irredutíveis – culturais, humanas, geográficas, sociais – encontra nas narrativas (literárias mas também de outros âmbitos, cinema, música, artes plásticas) imagens efetivas e compósitas em que se inscreve e se traduz. Esta abordagem mais cultural à literatura acontece com autores já consagrados (isso explica o êxito por exemplo de Jorge Amado fora do País) normalmente de fácil acesso. Por esta razão escritas esteticamente mais engajadas como a de Guimarães Rosa ou de Graciliano Ramos para ficar em dois exemplos sempre do século 20, precisam de uma mediação crítica mais detalhada que normalmente as editoras não garantem. Por isso é importante o papel dos que atuamos na área de estudos brasileiros para enriquecer o repertório com objetos também menos imediatos.

– Quais são os autores brasileiros que mais despertam o interesse dos europeus em termos de estudo, na sua concepção?

É difícil um mapeamento representativo. Do ponto de vista acadêmico há alguns eixos fundamentais como por exemplo Machado de Assis, o Modernismo como grande evento cultural e literário que pauta o século 20, e especialmente na Itália Guimarães Rosa que contou com um grande tradutor, na década de 60, Edoardo Bizzarri que fez, pela orientação do próprio Rosa, traduções primorosas (tanto que há grande escritores contemporâneos como Claudio Magris frequentemente citam Rosa entre os autores preferidos). Existem depois modas induzidas por movimento internacionais, como foi no passado Jorge Amado e mais recentemente Paulo Coelho, mas são fenômenos mais de mercado do que de trânsito acadêmico. O interesse pela literatura contemporânea brasileira existe mas é mais fragmentário e condicionado por lógicas sempre do mercado. Entre os autores atuais, se pode mencionar Luiz Ruffato, Chico Buarque, Milton Hatoum, Bernardo Carvalho ou mais lateralmente as narrativas da periferia e a literatura marginal. Mas normalmente se trata de autores apesar de tudo sempre de nicho. Falta uma política orgânica de divulgação de autores brasileiros na Europa. As universidades estariam certamente disponíveis a colaborar em algum projeto sistemático. Seria, interlocutores interessados de uma política mais focalizada. Atualmente, alguns projetos forma tentados, a construção da rede de brasilistas europeus que o Embaixador José Viegas Filho, ainda na época do seu mandato em Madri e depois em Roma, esboçou e ainda atua pelo menos em termos de projeto ou outros projetos como Conexões da Itaú Cultural. Seria preciso criar sínteses mais coordenadas e eficazes também que maximizassem os poucos recursos disponíveis. Isto faz falta.

– A crise financeira que a Europa vive atrapalha o avanço de pesquisas sobre Literatura Brasileira? Como superar os desafios neste sentido?

A redução de recursos é um tema que afeta todas as universidades públicas europeias e é um dos principais indicadores da crise do continente. Ainda mais há um declínio simbólico de algo que foi no passado caracterizador dos centros de estudos europeus, ou seja, as ciências humanas. Na verdade trata-se de um fenômeno mundial, a erosão de reconhecimento das ciências humanas e em particular da literatura. Há um livro chave nesta perspectiva que sempre aconselho da filósofa Martha Nussbaum, Not for Profit. Why Democracy Needs Humanities que todos os reitores de universidade deveriam conhecer: apesar de ser focado sobretudo sobre contextos como EUA e Índia, fala do fenômeno internacional da crise das humanidades, evidenciando o paradoxo que sociedades sempre mais complexas apagam as formas mais sofisticadas de raciocínio e representação do conhecimento que só as Ciências Humanas (da filosofia à história, da literatura às artes) proporcionam. Os riscos deste empobrecimento de um mundo dominado pela técnica desprovida de consciência crítica são macroscópicos no século que acabou e no outro em que estamos. A crise determina, é claro, reduções financeiras mas creio que afinal o problema não é de ordem econômica passa muito mais por um campo de batalha ideológico e, sobretudo, cultural. E uma possível via de fuga deste problema global é representada pelas parcerias internacionais – o IBE é um exemplo – que podem assumir grandes temáticas e maximizar o uso de financiamentos bilaterais para projetos que local ou nacionalmente seriam inviáveis.

– Como fazer para que haja maior difusão da Literatura Brasileira na Europa e vice-versa?

Isoladamente há muitos bons projetos e há uma disseminação ampla de conhecimento do Brasil na Europa. Assim como no Brasil, a Europa não é um objeto abstrato mas hoje, graças a políticas comuns e as instituições europeias são conhecidas e possuem ampla visibilidade. Para fortalecer o intercâmbio, é necessário compor todos os fragmentos de vários projetos em um quadro que seja representativo, sem detrimento de nenhuma boa ideia o de nenhum gesto criativo, mas ao mesmo tempo encontrando uma moldura que adequada de meios e fins. Uma perspectiva como esta se torna viável só dentro de um quadro institucional bem definido. Europa e o Brasil, depois de sete anos da primeira parceria estratégica, tem agora as melhores condições para realizar uma sistematização eficaz com diretrizes claras de consolidação das relações, também em campo cultural. Em um quadro onde cultura e ciência, literatura e técnica se pressupõem e não se excluem. No fundo, o IBE é o exemplo disso e a área de estudos literários e culturais que, como se dizia, são essenciais para produzir a consciência de um crescimento efetivamente sustentável, podem só beneficiar de redes como essa ou como as outras que esperemos possam surgir.