Chefe da Seção de Desenvolvimento e Cooperação da União Europeia no Brasil, o francês Jérôme Poussielgue esteve em Goiânia no dia 18 de outubro para falar aos participantes do projeto Alfa Trall, que recebe financiamento da Comissão Europeia para a promoção do ensino superior na América Latina. Em sua passagem, ele concedeu entrevista ao portal do Instituto de Estudos Brasil Europa (IBE) em que comentou sobre o peso simbólico da conquista do Prêmio Nobel da Paz pela União Europeia, além de detalhar os projetos de cooperação financiados no Brasil, como o do IBE, e as perspectivas de futuro nas relações entre o País e a Europa. “O governo brasileiro não tem mais razão para querer receber ajuda, ele agora quer cooperação”, avalia Jérôme Poussielgue. A seguir a entrevista concedida durante o evento ocorrido no Centro Cultural UFG.

 

 A União Europeia recebeu este mês o Prêmio Nobel na Paz, no momento em que a Europa enfrenta um momento de crise. Qual o peso simbólico do prêmio?

Primeiro traz muita honra, porque é o reconhecimento do que a União Europeia buscou concretizar desde sua criação em 1957. A UE é um conjunto de 27 países com mais de 500 milhões de pessoas falando 21 idiomas diferentes. E foi complicado inicialmente porque a Europa tem um histórico milenar de guerras. Mas justamente o que se criou a partir de 1957 foi um espaço de paz, de estabilidade e de relativa prosperidade econômica em comparação com muitas áreas do grupo. Também consolidou-se o estado da lei, a democracia e o direito das pessoas mais frágeis da sociedade, propiciando maior participação das mulheres nas decisões, o reconhecimento das diferenças e a luta contra os preconceitos, contra o racismo. Foi um trabalho realmente feito pelos estados e pela organização da União Europeia – que é uma instituição intergovernamental, ou seja, reúne os 27 países, tem Parlamento, conselho e a Comissão Europeia, que equivaleria aos ministérios. Houve todo este trabalho de construir uma zona de paz, prosperidade e segurança que foi a razão pela qual nós entendemos que foi dado o prêmio Nobel da Paz. Acredito que o prêmio, mais do que tudo, é uma mensagem para os povos europeus de que estão fazendo as coisas bem e podem ter confiança no futuro. E também dar-se conta de que em momento de crise nem tudo é ruim.

A União Europeia tem importantes projetos de cooperação com o Brasil. Como estão hoje estes projetos?

A crise pode afetá-los? Neste momento temos mais de cem projetos em execução no Brasil, que estão sendo guiados pela delegação da União Europeia em Brasília. Esses projetos são definidos entre a União Europeia e o governo brasileiro com foco em duas prioridades. A primeira é a proteção do meio ambiente e a segunda é a internacionalização da educação superior para o período 2007-2013. Em cima disso organizamos licitações para financiar projetos da sociedade civil na área de Direitos Humanos (atores não estatais) e meio ambiente. Dentro dos Direitos Humanos temos várias prioridades, sendo que na última licitação foi a luta contra a violência. Violência contra as minorias raciais, sexuais, crianças, os defensores dos direitos humanos e doméstica. Além disso estamos trabalhando com as Nações Unidas para financiar campanhas e apoiar o governo na implementação da Lei Maria da Penha em todo o território nacional. Há programas que financiamos ainda para a integração regional do Mercosul, como o que prevê a mobilidade dos estudantes que querem estudar na Argentina, no Uruguai, Paraguai ou Venezuela, por exemplo. Além disso temos iniciativas de apoio de interação econômica, social e também institucional do Mercosul e programas gerais como o Erasmus Mundus, que oferece bolsas acadêmicas aos estudantes que querem estudar na Europa. Este programa existe há 25 anos e foi aberto para participação de países como o Brasil. Até o fim de 2012 o programa terá financiando mais de 3 milhões de estudantes.

O projeto Alfa Trall, do qual o senhor participa em Goiânia, integra esse projeto de integração? O que ele traz de diferente de outras iniciativas? 

Está dentro das atividades que a União Europeia faz para promover a educação superior. Agora na sala temos 20 instituições (refere-se ao seminário sobre Créditos e Competências do Projeto Alfa Trall, que ocorreu esta semana no Centro Cultural UFG) com 19 países diferentes que tratam de definir conjuntamente, europeus e latino-americanos, um trabalho. O primeiro mérito deste programa é que essas 19 nacionalidades buscam um acordo. Porque às vezes as pessoas, os países e a cultura de trabalho é individualista. O Alfa Trall não, é um trabalho conjunto com objetivos ambiciosos. O projeto define uma política de aprendizagem ao longo da vida para institucioções de educação latino-americanas e europeias e oferece capacitação e formação a todos os interessados. Além disso, vai definir estratégias para que possam ser reconhecidos os diplomas das pessoas que participam do programa. Porque se você é da UFG e vai estudar em Bolonha e quando volta para Goiânia seu diploma não é reconhecido, de que adianta ter passado os anos fora? É como tempo perdido em nível profissional.

O senhor mencionou anteriormente a internacionalização das universidades como uma das prioridades da União Europeia em seus projetos de cooperação. Essa comunicação das universidades do País com as europeias era muito deficitária? Qual a importância do IBE para mudar esta realidade?

A União Europeia co-financia essas atividades. Ou seja, damos os meios para fazer com que as universidades tenham a possibilidade material de se encontrar e fazer caminhar o projeto. Normalmente para entrar no sistema Erasmus Mundus são estabelecidos consórcios. Por exemplo, cinco universidades brasileiras e cinco européias entram em acordo para enviar tantos estudantes em tais matérias. Nós pagamos a bolsa e a viagem, mas as universidades se comprometem que quando eles voltarem terão reconhecidos seus diplomas e os cursos que estão promovendo. Para o estudante é ótimo porque ele aprende um novo idioma, vê novos métodos de ensino e abre os olhos sobre outras culturas, outras maneiras de fazer as coisas. Acho que são as boas coisas da globalização. Permite que as pessoas tenham essa experiência de ver outra parte do mundo, como vivem as pessoas. Isso é muito bom para lutar contra o preconceito e adquirir experiência e conhecimento. Uma cifra interessante é que as pessoas que fizeram estudos fora quando voltam ao seu país o nível de empregabilidade é 70% mais elevado do que uma pessoa que ficou a vida toda na sua cidade.

O senhor disse em outra entrevista recente que talvez diminua a participação da União Europeia porque o País está se desenvolvendo mais. O que o senhor viu de mudança em dois anos que o senhor está morando no Brasil?

Isto não é raiz da crise européia. É da análise de como vai o mundo. Se você lê o relatório das Nações Unidas sobre o índice de desenvolvimento humano (IDH) vai ver que o mundo – apesar das guerras, fomes, enfermidades – globalmente está melhorando as condições de vida das pessoas. Tem países que melhoram mais que os outros, e o Brasil é um desses considerados como emergentes. Não estou falando que o Brasil não tem problemas, não tem pobreza. Só que o Brasil é hoje o sexto poder econômico mundial. Ou seja, tem dinheiro. Agora, como administrar o dinheiro é uma questão de prioridades. O governo não tem mais razão para querer receber ajuda, ele quer cooperação. E cooperação nem sempre quer dizer receber dinheiro. Podemos cooperar porque cada um agrega algo no outro. Neste contexto todos os países emergentes, e o Brasil não está sozinho na lista, vai ter financiamento em um novo instrumento que é a parceria estratégica.

 Isso porque é uma parte mais frágil do País?

Sim, e também porque nós cooperamos não apenas com o governo federal, mas com todos. Com as universidades por meio do Erasmus Mundus, com as empresas, com as cidades por meio de programas de planejamento urbano. A cooperação bilateral é só uma parte da cooperação. As prioridades dentro da cooperação bilateral são meio ambiente e internacionalização da educação superior. E para o meio ambiente nós apoiamos o Ministério do Meio Ambiente em projetos para as áreas protegidas, desenvolvimento rural sustentável, entre outros . Temos uma série de projetos com o Ministério do Meio Ambiente e também com os ministérios da Educação e do Planejamento. Neste último o apoio é para as atividades dos diálogos setoriais. Por exemplo, quando um ministério quer saber mais sobre um projeto específico de educação, procura a direção geral da União Europeia encarregada deste tema, que marca um seminário ou uma visita. Temos 31 diálogos setorais com temas como normas sanitárias e fitosanitárias, macroeconomia, agricultura, saúde, educação e política social, entre outros.

Qual a participação do Brasil nesta colaboração?

Todas as atividades são co-financiadas, ou seja, contribuíamos com dinheiro e o Brasil com funcionários que trabalham no projeto, por exemplo. Eles dedicam seu tempo a trabalhar no projeto. É como no IBE, cada um ajuda com o que tem. E o dinheiro tem de ser administrado segundo as regras da União Europeia, porque é dinheiro público.