Doutor em Ciência Política e professor no curso de Relações Internacionais da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), Rogério Santos da Costa analisa com otimismo as perspectivas de acordo entre a União Europeia e o Mercosul, com apoio do Brasil no sentido de fortalecê-lo. O estudioso foi entrevistado para o site do Instituto de Estudos Brasil Europa (IBE) e abordou o papel da UE em suas ações internacionais.

“A União Europeia é, antes de tudo, um exemplo de integração, solidariedade e multilateralismo. Suas ações mundiais preveem um equilíbrio maior de forças entre as maiores potências. Assim, esta parceria tende a se fortalecer por causa desta necessidade estratégica, antes de tudo”, acredita. “Para o Brasil e sua Política Externa de inserção internacional melhor posicionada, é uma das melhores opções”, diz.

Na entrevista abaixo o pesquisador fala ainda uma análise da parceria estratégica entre o Brasil e a União Europeia e da necessidade de ambos encontrarem pontos de convergência para avançarem em seus diálogos. Ele também comenta a crise europeia e sobre como ela afeta as relações com o País.

– Em que áreas houve maior avanço no diálogo entre o Brasil e a União Europeia?

Antes de tudo é importante apontarmos que os dois parceiros buscam alavancar seus interesses e, neste sentido, só haverá avanços nesta parceria quando eles encontrarem os seus pontos de convergência. Assim, podemos apontar algumas áreas de avanço no diálogo, como inovação e difusão tecnológica. O Brasil como um global player é, para a UE, uma oportunidade de firmar alianças estratégicas de difusão tecnológica empresarial. Para o Brasil, esta área vem abrindo muitas portas para o encaixe de estudantes e pesquisadores de programas como o Ciência Sem Fronteira, além de possibilitar parcerias entre as Universidades de ambos os lados. No que se refere a energias renováveis, é notória a convergência de interesses entre as partes da parceria estratégica nesta área, tanto por conveniências mútuas, como por proporcionar relações triangulares com países em desenvolvimento, de língua portuguesa, países africanos ou no Haiti.

– Há muitos pontos divergentes entre o País e o bloco?

Apesar dos discursos apontarem convergências em quase tudo, há mais divergências em relação ao clima e multilateralismo, no caso da pressão contra desmatamentos e na dificuldade de avanços na Organização Mundial de Comércio (OMC). Agricultura e Investimentos e Serviços, comercialmente falando, ainda entravam a cooperação entre os parceiros.

– É possível avançar ainda em quais pontos de diálogo?

Em todas as áreas de cooperação é possível avanço, mas é fundamental que os parceiros estratégicos encontrem convergência em pelo menos aqueles pontos que podem corroer a própria relação se não forem destravados. Exemplos são as questões comerciais e a própria Rodada Doha na OMC, além de um posicionamento mais uníssono em relação aos grandes temas de Política Internacional, como o caso iraniano ou as repercussões nacionais da Primavera Árabe.

– Em relação à crise, qual sua avaliação sobre o atual cenário? Há possibilidade de algum país deixar o bloco?

A crise europeia é uma crise estrutural do sistema capitalista. Se a Europa está sendo afetada sobremaneira pela crise mundial é pelas especificidades do sistema, do posicionamento dela nele e de suas tentativas de saída da crise. Enquanto Brasil, China e os próprios EUA estão adotando ações para a promoção do crescimento econômico de corte Keynesiano, a Europa enveredou por políticas ortodoxas e monetaristas. Sobre a possibilidade de algum país deixar o bloco acho difícil, acredito que para a União Europeia uma saída de país não é adequada, pois pode trazer um efeito demonstração perigoso e desestabilizador. Agora, está sendo um momento sui generis de analise de Processos de Integração verificar como ela se comporta e quais resultados pode alcançar de forma unitária, isto é muito relevante até para as pretensões e possibilidades de avanço ou retrocesso da integração no Mercosul e na América do Sul.

– O que poderia ocorrer com a saída de algum país da União Europeia?

Podemos trabalhar com duas hipóteses. Uma primeira hipótese é que, como falei, apesar de achar difícil, uma saída diante de uma crise sem sinal de arrefecimento poderia desencadear um efeito demonstração e uma reversão na integração europeia, mais do que um fortalecimento do bloco. Claro, não temos bola de cristal, esta perspectiva diz respeito a uma visão política e de confiança sobre a situação vigente, mas podemos ter, numa segunda hipótese, com a saída de um país com sérios problemas econômicos e financeiros, Grécia por exemplo, o aumento da confiança na moeda e no bloco. A questão é que, pelo que tenho lido e analisado, esta segunda hipótese é menos plausível do que a primeira, simplesmente pelo fato de que a crise é sistêmica e sem perspectiva de recuperação.

– Nesta vivência da crise, está havendo perda de direitos importantes?

Isto sempre ocorre, e está ocorrendo agora. Com o 11 de setembro/2001 tivemos uma grande perda individual, de garantias individuais em direção ao controle do Estado, em função das medidas de Segurança adotadas pelos EUA, agora em 2013 evidenciadas pela descoberta da ingerência do Estado estadunidense em informações de caráter sigiloso e privado de milhões de cidadãos no mundo. Em relação a Europa, infelizmente a crise apontou para medidas de caráter ortodoxo e monetarista, de contração da economia, de diminuição do Estado e das garantias sociais até então existentes. É importante salientarmos, isto é uma decisão política, sempre. Vejamos o caso do Brasil, por exemplo. Existiam ao menos dois caminhos a percorrer diante da crise em 2007/2008: o da ortodoxia monetarista ou o das políticas anti-cíclicas ou keynesianas. O país adotou esta, aparentemente e por mais de 6 anos já, está dando melhores resultados.

– A crise afetou as relações com o Brasil?

Com certeza, é um momento em que o mundo todo está, em primeiro lugar, voltado aos seus problemas econômicos internos, para depois pensarem nas relações exteriores. Tivemos esta mesma dinâmica no entre guerras, principalmente após a crise de 1929, um nacionalismo e protecionismo muito forte. Agora não é diferente. O que ocorre é que uma parceria bem fortalecida busca visualizar, antes das ameaças, as oportunidades, e elas existem, como pode-se confirmar no desenvolvimento da parceria estratégica.

– De alguma forma a crise da Europa pode ter tornado o país mais forte nesta relação?

O Brasil na crise, ao adotar uma postura anticíclica, ao estar preparado em seus sistema financeiro, um dos mais fortes e confiáveis do mundo, ao atuar no fortalecimento de seu mercado interno via distribuição de renda, e ao estar logrando êxitos nos seus esforços de autossuficiência em petróleo, se fortalece mundialmente. Nesta situação obviamente que ele se posiciona melhor para a negociação com a União Europeia. Há ainda o fortalecimento da integração regional, que é uma das melhores possibilidades estratégicas para o país num mundo multipolar em blocos, que reforça esta condição de líder e global player, apesar das desconfianças dos parceiros regionais.

– Que perspectivas há para o acordo da UE e o Mercosul?

Vejo como muito boas estas perspectivas. A União Europeia é, antes de tudo, um exemplo de integração, solidariedade e multilateralismo. Suas ações mundiais preveem um equilíbrio maior de forças entre as maiores potências, dentre elas a superpotência EUA e a iminente, em igual condição, China. Assim, esta parceria tende a se fortalecer por causa desta necessidade estratégica, antes de tudo. Para o Brasil e sua Política Externa de inserção internacional melhor posicionada é uma das melhores opções, e o Itamaraty tem experiência e cacife político interno suficientes para conduzir da melhor maneira possível o fortalecimento desta parceria estratégica com a União Europeia.

 

(Fonte: Assessoria de Comunicação do IBE)