Chefe da Divisão de Ciência e Tecnologia do MRE diz que Brasil e União Europeia buscam maior participação dos empresários em projetos para alavancar as áreas de ciência e tecnologia

 

A troca de conhecimentos nas áreas de ciência e inovação é hoje um dos focos de atenção na parceria entre Brasil e União Europeia. De acordo com o Chefe da Divisão de Ciência e Tecnologia do Ministério das Relações Exteriores (MRE), Ademar Seabra Cruz Júnior, nos últimos anos houve avanços nesse quesito graças à institucionalização das relações entre Brasil e Europa, decorrente de acordo assinado em 2006. “Antes esta relação era mais no campo do intercâmbio e da montagem de laboratórios. Hoje há estímulos para as pesquisas com impacto em processos e programas de inovação”, avaliou em entrevista ao site do IBE.

Ademar Seabra, que é diplomata e se dedica ao estudo da globalização econômica, afirma que hoje não é possível pensar em cooperação internacional em inovação sem envolver o setor empresarial no processo. “Não fazemos mais trabalhos de pesquisa e desenvolvimento na área internacional sem o componente empresarial”, garante, complementando que o Brasil também é responsável neste momento por exportar conhecimento principalmente nas áreas de biocombustíveis, energias renováveis, agropecuária e biomedicina, por exemplo.

No campo acadêmico, Ademar Seabra reforça a necessidade de os países continuarem a investir no intercâmbio de pesquisa e destaca a forte atuação do Instituto de Estudos Brasil Europa (IBE), que tem sido responsável por uma maior divulgação dos instrumentos de apoio ao desenvolvimento científico da UE no Brasil, e vice-e-versa.

Na entrevista abaixo, Ademar Seabra detalha os frutos resultantes da parceria do Brasil com a Europa e as perspectivas de futuro frente à crise econômica.

– O senhor se dedica a estudar o papel da inovação, do conhecimento e do desenvolvimento tecnológico na competitividade dos países. Como estudioso e chefe da Divisão de Tecnologia do Ministério das Relações Exteriores, como avalia a cooperação que existia antes e que existe agora entre Brasil e União Europeia no que se refere a estes temas?

Houve uma mudança acentuada no quesito inovação, graças a um acordo assinado entre o Brasil e a União Europeia em 2006. Antes o intercâmbio já era forte, isso desde 1930. Inclusive os métodos de pesquisa no Brasil têm raízes europeias fortes. Basta nos lembramos das missões ao Brasil, como a francesa, que resultou na criação da Universidade de São Paulo (USP). É uma relação umbilical. O Brasil tem uma longa tradição de cooperação com a UE, enviando também seus pesquisadores para lá e com impacto nas pesquisas realizadas no Continente. Mas do ponto de vista governamental esta relação só foi institucionalizada em 2006. Antes era mais no campo do intercâmbio, da disponibilização de laboratórios, era mais “de baixo para cima”. Não havia preocupação bilateral sobre como essa massa de conhecimento poderia ter impacto em processos de inovação. Era um tema negligenciado. Isso tem mudado. Agora há estímulos claros para ação conjunta em inovação.

– De que forma a UE pode agregar conhecimento ao Brasil nessas áreas e vice-versa?

Depende dos setores. Em alguns a União Europeia está mais avançada e contribui mais. Em outros há equilíbrio e até mesmo transferência de conhecimento do Brasil para a Europa. A nossa grande preocupação hoje é que não seja um intercâmbio apenas acadêmico, embora ele deva continuar. É preciso envolver sempre o setor empresarial. Conversamos com os europeus especialmente nos campos da nanotecnologia, tecnologias da informação e das comunicações (TIC) e espacial, entre outros, que são áreas em que eles estão mais desenvolvidos, e montamos grupos bilaterais de pesquisas. Nossos esforços são para que essas iniciativas agreguem mais pesquisadores brasileiros, para que haja um aprendizado recíproco e dinâmico. Nós também temos como oferecer conhecimento e inovação aos europeus em áreas como biocombustíveis, ciências agrárias, energias renováveis, vacinas e imunobiológicos, por exemplo. Estamos instalando ou já foram instalados laboratórios da Embrapa em vários países, como Inglaterra, Holanda e Itália. Em Roma, a empresa está montando uma infraestrutura nova para esta interação, envolvendo os setores de pesquisa e empresarial. No caso da cooperação bilateral em ciência e tecnologia, o programa “Horizonte 2020”, sucedâneo do FP7, deverá estabelecer um novo patamar de cooperação, mais focalizado e integrado, com ênfase em desenvolvimento tecnológico e inovação.

– Um projeto como o IBE, que é financiado pela Comissão Europeia e promove o desenvolvimento da pesquisa e do ensino, pode trazer quais impactos positivos?

O IBE tem a função de disseminar a produção científica europeia e as oportunidades de ação conjunta no campo da C,T&I no País. Hoje ele tem uma atuação forte e é o principal responsável pela divulgação dos instrumentos de apoio ao desenvolvimento científico da UE no Brasil e um importante aliado na definição de pautas de trabalho bilaterais na área de C,T&I. Participei em Goiânia, em 2011, do Congresso Anual do IBE sobre Cidades Sustentáveis, estive na USP algumas vezes e também em um seminário em Roma, no ano passado, para acompanhar melhor e colaborar com a iniciativa.

-Há alguma dificuldade ainda de intercâmbio de comunicação entre a UE e o Brasil em relação à troca de conhecimento?

Há ainda sim lgumas dificuldades. Posso citar, por exemplo, o sério problema da importação de amostras de material científico, de experiências, que muitas vezes são barradas na nossa alfândega. Mas entre as universidades há uma sinergia muito boa. O programa Ciência Sem Fronteiras, por exemplo, tem hoje como maior alvo os países da Europa. O problema que enfrentamos nesta área do conhecimento é o livre acesso, as barreiras de acesso ao conhecimento científico que estamos buscando atenuar. Pode-se pagar US$ 100 por um único artigo científico, o que impede o acesso ao conhecimento de parte de um grupo significativo de pesquisadores, mesmo com o recurso à pioneira iniciativa do Portal de Periódicos da CAPES. Com isso torna-se mais difícil colaborarmos em condições equitativas nas áreas de ponta. Há ainda, às vezes, descontinuidade de projetos e de recursos, o que dificulta o desenvolvimento de pesquisas. Mas na maior parte das vezes a cooperação tem sido das mais frutíferas. Pode-se dizer que, sem o diálogo que há décadas, ou séculos, mantemos com a Europa, o Brasil não teria alcançado a excelência e o prestígio científico de hoje.

– Como Brasil e União Europeia vão adaptar seus planos de cooperação à crise europeia? O senhor vê algum prejuízo nestas relações?

O bom seria se os recursos fossem ilimitados, mas é claro que não é assim. Mas há que se considerar um fator importante: os programas europeus oferecidos aqui nunca são usados integralmente. São poucos os candidatos para a volume de recursos oferecido. Poderia haver uma divulgação maior. Mas com relação à crise, são poucos os prejuízos aos projetos que já estão sendo desenvolvidos. Veja, por exemplo, o anúncio europeu de financiar com dois bilhões de Euros apenas dois projetos de pesquisa (nas áreas de grafeno e mapeamento do cérebro humano). Isso abrirá oportunidades extraordinárias para os pesquisadores brasileiros. Até porque há maior amadurecimento científico e tecnológico do Brasil, vamos achar os meios internos para prosseguirmos num patamar de excelência na cooperação com os europeus, independentemente da crise financeira. Faremos mais com menos.

 

(Fonte: Assessoria de Comunicação do IBE)