Evento ocorre de 9 a 11 de outubro na UFSC. Inscrições estão abertas e podem ser feitas pelo link 

Professor catedrático de Literatura Portuguesa e Brasileira na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade de Roma “La Sapienza”, Ettore Finazzi-Agrò será um dos participantes do 3º Congresso Anual do Instituto de Estudos Brasil Europa (IBE), que ocorre entre os dias 9 e 11 de outubro deste ano na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O Congresso tem como tema Inovação, Cultura e Sustentabilidade: Desafios para o Brasil e Europa e o estudioso irá falar em sua mesa redonda sobre o multiculturalismo e imaginário dentro da literatura.

Em entrevista ao site do IBE, o pesquisador defendeu a ideia de que toda a cultura, não apenas a brasileira, é multíplice e sujeita a interferências, que a torna ao mesmo tempo singular e plural. “O singular é plural e a pluralidade é, por sua natureza, a diferença e o vazio sobre os quais insiste qualquer verdadeira, heroica singularidade”, afirma. Leia a entrevista.

– Como estudioso da Literatura Brasileira, como analisa a inserção de autores brasileiros na Europa atualmente? Há uma maior difusão da nossa literatura na Europa nos últimos anos?

Como sempre (ou quase sempre) acontece a difusão da literatura e, em geral, da produção imaterial de um País no exterior, acompanha o desenvolvimento/crescimento da produção dos bens materiais. Nesse sentido, não apenas a produção literária mas todo o universo sociocultural e político brasileiro é atualmente objeto de curiosidade e de tentativas de compreensão dos fenômenos complexos que atravessam ou dizem respeito a esta grande Nação.

– Como a Literatura Brasileira produziu seu imaginário estético?

A literatura representa uma via de acesso importante para o conhecimento. Nisso eu vejo uma vantagem e um risco: a vantagem de entrar em contato com uma realidade desconhecida através da estupefação; o risco de reduzir aquela realidade ao que “já se sabe”, a um imaginário compartilhado. Por um lado teremos o estranhamento, pelo outro o exotismo. Penso, por exemplo, na produção de Jorge Amado que teve um sucesso enorme na Europa e desempenhou um papel importante para a “descoberta” da realidade brasileira, mas que acabou consolidando uma imagem estereotipada do Brasil. Para muitos europeus a Bahia amadiana se tornou uma espécie de metonímia do País. Isso, obviamente, sem considerar o fenômeno editorial de Paulo Coelho, autor que teve um grande êxito editorial na Europa: ele tem muito a ver com uma certa representação do Brasil por parte dos leitores europeus e, ao mesmo tempo, nada a ver ou a dizer sobre o que realmente é o Brasil.

– Um dos temas que o senhor irá enfocar durante sua participação no 3º Congresso do IBE é o multiculturalismo. Qual o conceito de multiculturalismo que o senhor trabalha?

Não sendo, na verdade, um especialista do “multiculturalismo” (e me pergunto, aliás, se existe um especialista da multi-cultura), posso apenas sublinhar como toda cultura, não apenas a brasileira, seja, a bem ver, multíplice. A diferença e a pluralidade habitam, de fato, o âmbito artístico-cultural (como o político-social ou o filosófico) desde o início. O próprio surgimento de um pensamento “ocidental” se embasa no estabelecimento de uma diferença em relação a tudo aquilo que começa a ser pensado como “outro” e/ou “oriental”. Por outro lado, essa partição originária não elimina a interferência (basta pensar no papel fundamental jogado pela cultura árabe na formação da cultura – material e imaterial – europeia), mas institui uma fronteira ideal: fronteira porosa, limiar continuamente atravessado, mas que deve ser continuamente confirmado porque exista algo como uma “comunidade”.

– Como avalia a questão do multiculturalismo na literatura brasileira?

Chegando à situação brasileira teremos, por um lado e a partir da segunda metade do século 19, a reivindicação do multiculturalimo como fundamento de uma identidade “nova” e, pelo outro, a repressão de toda diferença real. Basta ver como a raiz indígena ou aquela negra sejam ao mesmo tempo exaltadas e recalcadas, ou como se expandiu, nos últimos anos, o fenômeno da literatura marginal, sem que isso tenha levado à aceitação de que “periferia é periferia em qualquer lugar” (para citar uma frase famosa dos Racionais Mc’s). É justamente aceitando a ideia de que a cultura, habitando um espaço global e multiplicado, é fundamentalmente atópica e anômica (não sendo, por exemplo, nem brasileira nem europeia e sendo as duas coisas ao mesmo tempo), admitindo, então, que a cultura é homogênea na medida em que aceita ser “trabalhada” pela desomegeneidade e pela diferença, que ela é coesa na medida em que aparece atravessada pelos confins, que se pode chegar a entender,na era da globalização, a existência de uma cultura plural, livre de qualquer obrigação à construção de um imaginário comum e ligada apenas à presença de uma dimensão sem dimensões como é a velha, hoje quase vituperada, imaginação.

– Quais os autores mais representativos que expressam o multiculturalismo?

Todos os grandes escritores brasileiros – todo grande escritor, na verdade, em todos os tempos – nos colocam diante de personagens e situações em que o singular é sempre riscado pela pluralidade e o multíplice se torna imagem e fundamento do individual e do uno. Eu lembraria aqui apenas o caso de Macunaíma, que sendo pensado/imaginado como herói sem nenhum caráter, resume em si mesmo, justamente pela sua ausência, todos os possíveis caracteres, todas as possíveis instâncias culturais ou étnicas: o singular é plural e a pluralidade é, por sua natureza, a diferença e o vazio sobre os quais insiste qualquer verdadeira, “heroica” singularidade.

 

(Fonte: Assessoria de Comunicação do IBE)