A percepção de que é preciso ampliar o debate sobre ética e pesquisa na área de Humanidades e abrir caminhos para alinhar o comportamento dos pesquisadores brasileiros aos parâmetros de outros países tem motivado a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) a promover diversos seminários, workshops e cursos voltados à discussão.

Doutor em Ciência Política pela USP e presidente da Comissão de Pesquisa da FFLCH, João Paulo Cândia desempenha a tarefa de levar a iniciativa adiante e explica na entrevista concedida ao site do Instituto de Estudos Brasil Europa (IBE) como é desenvolvido este trabalho, quais as dificuldades para abordar a questão junto aos pesquisadores e como os interessados podem contribuir com as discussões.

– Como é o trabalho sobre Ética e Pesquisa que a FFLCH está desenvolvendo?

É um trabalho de difusão de informação junto aos professores dos 11 departamentos que compõem a FFLCH. Dessa forma, promovemos dois seminários em 2012, cujas sínteses estão disponíveis no website da Comissão de Pesquisa da FFLCH (http://pesquisa.fflch.usp.br/node/38), e convidamos um representante do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) para falar junto à Congregação da Faculdade, o que de fato aconteceu no final de maio. Uma síntese da apresentação do professor Dalton Oliveira, da Faculdade de Odontologia da USP, estará disponível em breve no website da Comissão de Pesquisa. Estamos também produzindo um texto acadêmico a respeito de como as diversas áreas das Humanidades compreendem a relação entre ética e pesquisa.

– O que significa trabalhar com ética em pesquisa, na sua concepção?

Significa submeter os protocolos de pesquisa a um comitê ou à uma comissão de ética para que sejam avaliados os procedimentos de pesquisa, se estão adequados no que diz respeito ao atendimento à regulação existente sobre a pesquisa com seres humanos e animais.

– Por que surgiu esta preocupação com o tema por parte de agências de fomento, órgãos reguladores e sociedade civil? Qual o quadro atual?

Por conta dos desastrosos experimentos com seres humanos durante a 2ª Guerra Mundial, e para que os limites éticos sejam reconhecidos como tal pela comunidade de cientistas e pesquisadores que desenvolvem pesquisas com comunidades, grupos sociais, específicos, etc. O quadro atual é o de transferência das preocupações éticas com pesquisa, desenvolvidas para as áreas das ciências da vida há décadas, para as ciências humanas. Trata-se de um processo universal que vem acontecendo nos países desenvolvidos e que chega agora como uma agenda importante de pesquisa nos países em desenvolvimento. Com a internacionalização das agendas de pesquisa, e a maior participação de universidades brasileiras na produção de conhecimento, as chamadas ciências humanas têm que responder às questões éticas colocadas pelos protocolos de pesquisa.

– Em que área a regulação se faz mais necessária e presente?

Principalmente em pesquisas com grupos sociais vulneráveis onde há necessidade do consentimento livre e informado por parte dessas comunidades. Por exemplo, grupos indígenas em pesquisas antropológicas, menores de idade em pesquisas na área de educação, etc.Os procedimentos éticos devem estar claramente manifestados dentro do protocolo. Caso isso não ocorra, o comitê de ética não deve aprová-lo.

– Ainda há graves abusos no desenvolvimento de pesquisas?

No caso das ciências da vida, esses abusos estão sendo coibidos há décadas, há regulação e controle dos comitês de ética e pesquisa, sob a supervisão do Conep e de autoridades do Ministério da Saúde. No caso de pesquisas nas áreas de Humanidades, a preocupação é mais recente e, portanto, há muito a ser regulado que hoje poderiam ser considerados abusos por parte do pesquisador/cientista. Por exemplo, experimentos de todos o tipo com comunidades vulneráveis e carentes. Protocolos com coleta de informações sobre a privacidade de grupos sociais, a pesquisa que teve informação sigilosa para os familiares, a exposição do indivíduo ao preconceito institucional como acontece na escola. Há também pesquisas que remetem à violação de leis. Por exemplo, procedimentos em Ciência Política que induzem o pesquisado a cometer uma infração de trânsito para tipificar o comportamento da autoridade de trânsito em razão do tipo e modelo de veículo.

– Qual a dificuldade em se aplicar a ética nestes casos?

A dificuldade está em definir os procedimentos de pesquisa de forma clara, e no protocolo esses procedimentos atenderem a todos os limites éticos previstos pela regulação nacional e internacional, no caso de agendas de pesquisa interuniversidades.

– Judicializar a questão é um bom caminho?

Não, a judicialização vai trazer um outro ator para a aprovação do protocolo, o que certamente vai resultar em maiores atrasos, e tornar o processo ainda mais burocrático.

– A faculdade promove debates abertos sobre o tema? Quem pode participar e como?

Sim, estamos promovendo debates abertos como os seminários realizados no ano de 2012, e vamos continuar a incentivar os debates em torno do tema ao longo dos próximos anos. Para participar basta se cadastrar no website da Comissão de Pesquisa da FFLCH que conta ainda com uma página no Facebook, https://www.facebook.com/comissaodepesquisafflch?fref=ts

 

(Fonte: Assessoria de Comunicação do IBE)