Você recentemente recebeu a ERC Advanced Grant. Você poderia nos falar sobre a pesquisa que você está conduzindo com essa bolsa? Como o público em geral pode se beneficiar da sua pesquisa?

Quando colocamos luz visível ou ultravioleta numa molécula orgânica, nós iniciamos uma cascata de eventos, que podem mudar a geometria molecular ou induzir reações químicas. Esses processos induzidos por luz são fundamentais para a vida (pense na visão ou em mutações no DNA causadas por luz solar, por exemplo) e tecnologia (como uma TV OLED).

No meu grupo – o grupo de pesquisas de Luz e Moléculas – nós investigamos o que acontece com uma molécula orgânica depois da irradiação de luz usando química teórica. Isso significa que, ao invés de fazer experimentos em um laboratório, nós usamos grandes conjuntos de computadores para simular a reação molecular. Hoje nós temos boas metodologias para simular fenômenos ocorrendo até um milionésimo de um milionésimo de segundo (chamado picosegundo). A bolsa ERC Advanced permitirá que meu time desenvolva métodos para simular processos mil vezes mais longos (em até um nanosegundo).

Então, com esses novos métodos, nós investigaremos como o DNA reage à luz ultravioleta. Mesmo meu principal objetivo sendo a pesquisa fundamental, nossas descobertas podem impactar o entendimento de como a vida evoluiu na Terra, como radiação solar causa câncer de pele e como fazer drogas mais eficientes em fototerapia.

Como você ficou sabendo do processo de seleção do ERC? Você pode compartilhar algumas dicas para nossos leitores sobre como se candidatar a uma bolsa ERC com sucesso?

Todo cientista que trabalha na Europa sabe das bolsas ERC. Elas são as bolsas de maior prestígio na região e a maioria das instituições europeias estão organizadas para dar apoio aos pesquisadores que se candidatam a elas.

As bolsas ERC são extremamente exclusivas, exigindo, acima de tudo, um CV robusto de qualquer pesquisador que aspira recebê-las. Então eles precisam encontrar um campo de pesquisa excepcional e inexplorado com o balanço certo de risco e viabilidade. Não pode ser uma simples extensão do que estavam fazendo antes. Mas também não pode ser algo completamente desconectado de seu expertise.

Quando escrever o projeto, o pesquisador precisa ter um domínio absoluto de seu campo. No meu caso, por exemplo, minha pesquisa bibliográfica foi tão exaustiva que eu até publiquei dois papers no Chemical Reviews com base nela, tendo pesquisado mais de duas mil referências.

Jovens pesquisadores de todo o mundo podem ser recrutados para trabalhar nos times ERC como candidatos a PhD, pós-doutorado ou como pesquisadores. Como você encorajaria pesquisadores da América Latina e do Caribe para olharem para essas oportunidades como membros do time?

Eu sei pela minha própria experiência que quando você é de um país como o Brasil, você está bastante isolado da comunidade internacional. Esse isolamento, no entanto, não significa que você não tem chance de conseguir uma oferta de emprego na Europa. Mas você tem que fazer seu dever de casa: desenvolver um bom nível de inglês falado e escrito, publicar regularmente papers de qualidade, se candidatar a posições relevantes. Você deve checar regularmente websites como CONFAP e ERC. Você também deve identificar os pesquisadores-chave de sua área e segui-los nas redes sociais. Finalmente, lembre-se, mesmo se você for um candidato de alto nível, você certamente ainda terá muitas recusas antes de receber uma oferta. Não desista tão fácil.

CONFAP, CNPq, e ERC assinaram acordos para encorajar cientistas jovens brasileiros para entrar nos times de pesquisa de bolsistas ERC na Europa por um curto período de tempo. Como essa oportunidade beneficia a carreira desses brasileiros e a ciência no Brasil em geral?

Esses tipos de visitas de curto prazo são uma excelente oportunidade para se mostrar ao mundo e se inserir na rede de contatos internacionais. No momento, eu tenho dois pós-doutorandos no meu grupo que antes vieram para visitas curtas, enquanto ainda eram estudantes. Eles demonstraram potencial e, na primeira chance, eu os trouxe de volta para uma estadia maior.

Além disso, candidaturas para as bolsas ERC (assim como muitas bolsas da Comissão Europeia no âmbito do programa Horizon 2020 e no futuro programa Horizon Europe) são abertas para pessoas de qualquer nacionalidade. O pesquisador só precisa procurar por uma instituição anfitriã europeia. Portanto, visitas de curto prazo podem também funcionar como o primeiro passo para se candidatar para suas próprias bolsas europeias.

Como a mobilidade influenciou a direção da sua carreira? Na sua opinião, o que poderia ser feito para melhorar a mobilidade de pesquisadores internacionais entre Europa e Brasil / América Latina e Caribe?

Mudar para Viena depois do meu doutorado no Brasil foi o passo determinante da minha carreira. Na Europa, eu pude desenvolver meu potencial como cientista de uma maneira que, muito provavelmente, eu não conseguiria se continuasse no Brasil.

A respeito da mobilidade, se o objetivo é melhorá-la, as instituições dos dois lados do Atlântico devem revisar suas políticas e estratégias, especialmente em relação à língua inglesa. No Brasil, por exemplo, muitas universidades não aceitam uma tese de doutorado escrita em inglês. Por outro lado, na França, por exemplo, muitas universidades não têm nem mesmo uma versão em inglês de seus websites. Em ambos os países, ensinar inglês num curso regular ainda é um tabu. Sem ter uma língua comum – e para a ciência, gostando ou não, essa língua é o inglês – a mobilidade sempre será restrita.

 

Nascido em Petrópolis, Rio de Janeiro, Mario Barbatti (47) possui PhD em física pela  Universidade Federal do Rio de Janeiro (2001) e livre-docência para pesquisar química teórica pela Universidade de Viena (2008). Entre 2010 e 2015, ele foi parte do grupo líder no Max Planck Institut für Kohlenforschung na Alemanha. Ele entrou no Institut de Chimie Radicalaire da Aix Marseille University em 2015, depois de receber uma cadeira na fundação A*Midex. Autor de aproximadamente 150 publicações científicas, Mario Barbatti é expert em simulações teóricas de moléculas fotoexcitadas. Ele foi o primeiro pesquisador brasileiro a receber uma ERC Advanced Grant. (www.barbatti.org)